Projecto Octograma

É proibido confinar o conhecimento; ele pertence às ruas.
A arte alia-se à investigação para que o conhecimento conduza à criação de objectos com história.

DEDICATÓRIA

À minha Mãe, Maria Margarida Faria Miranda Alfama Fragoso, formada em História, que me ensinou História e que contribuiu para os primeiros manuais escolares de História de Cabo Verde e de África no pós-independência de Cabo Verde.
Ao António Carreira, padrinho de baptismo da minha Mãe e amigo íntimo da família, pelas inúmeras, valiosas e imprescindíveis obras sobre as origens do povoamento e da formação e extinção de uma sociedade escravocrata em Cabo Verde.

Esquema para a execução da estrela de oito pontas da extremidade do pano d'obra bicho ref. AC041 no livro do António Carreira(1).

De onde vem esta estrela de oito pontas?

Assim surgiu o projecto Octograma, em Julho de 2022, durante o estudo do livro sobre a panaria cabo-verdiana-guineense da autoria do António Carreira(1).
O que me move neste mergulho no passado é a necessidade de compreender as motivações, a evolução, o apogeu e também as razões para o declínio desta panaria tradicional cabo-verdiana, com especial incidência nos panos d'obra(2), para depois conseguir tecer os tecidos com conhecimento de causa, para além da apreciação plena da sua genialidade.
Este projecto toca os eixos temáticos da história e da cultura: conhecer as origens do pano d'obra de maneira a resgatar a sua história, preservar a memória do que ele representou; conferir-lhe o devido lugar no património imaterial de Cabo Verde e do Mundo. Por outro lado, o 'pano da terra', que inclui o pano d'obra, é tido como um símbolo da cultura cabo-verdiana, uma representação da sua identidade.

Avesso de um pano d'obra bicho: bilhete postal da Comissão de Investigação e Divulgação Cultural da República de Cabo Verde (década de 1970).

Pano d'obra bicho ref. AC041 (frente e avesso): fotografia do livro do António Carreira(1).

O pano d'obra da panaria tradicional cabo-verdiana é universal na sua origem: nasceu da fusão de padrões de inspiração árabe, levados pelos Portugueses, tecidos por escravos tecelões da costa ocidental africana nos seus teares e que tiveram de ser adaptados. A originalidade destes panos, em particular do pano d'obra bicho, é a incorporação de padrões árabes e da costa ocidental africana numa estrutura bem definida e simétrica, criando um design único e inigualável.

Pano d'obra bicho ref. Af1934,0307.195 do acervo do British Museum (data de execução 1900-1913) © The Trustees of the British Museum.

A arte manual de tecer os panos d'obra entrou em declínio a partir de finais do século XIX pela enorme complexidade na execução dos seus padrões(3), aliada à diminuição do poder de compra das gentes de Cabo Verde. Actualmente, em Cabo Verde, os padrões do 'pano da terra' são, na sua maioria, os dos panos singelos ou criações novas.

NOTAS

(1) António Carreira, Panaria Cabo-Verdiano-Guineense - Aspectos Históricos e Sócio-Económicos (Lisboa: Junta de Investigações do Ultramar, 1968).
(2) António Carreira agrupa os panos em duas grandes categorias: panos singelos ou simples e panos d'obra, de acordo com o grau de exigência na execução do trabalho, o valor artístico e o tipo de fio usado (op. cit., pg. 83).

(3) O nome 'pano d'obra' provem do facto da sua execução ser muito laboriosa: 'ser obra' significa ser difícil, ser coisa que leva muito tempo.

OBSERVAÇÃO

Este trabalho tem sido realizado de forma solitária, à volta de livros físicos e virtuais. Por isso, esta investigação, as suas hipóteses e respostas, são da minha inteira responsabilidade.
A aprendizagem da execução dos panos d'obra tem sido efectuada de forma autónoma, a partir do estudo dos livros/documentos:
- Almeida, Maria Emília de Castro e, and Miguel Vieira. Subsídios Para o Estudo Da Tecelagem Na Guiné Portuguesa. Vol. 3. Estudos, Ensaios e Documentos 102, 1963.
- Carreira, António. Panaria Cabo-Verdiano-Guineense - Aspectos Históricos e Sócio-Económicos. Lisboa: Junta de Investigações do Ultramar, 1968.
-  Dugard, Pierre. “Artisanat Traditionnel Capverdien: Textile et Ceramique,” 1995.
Uso um tear pente-liço e um tear de mesa. Uso o pente, no tear pente-liço, ou dois quadros, no tear de mesa, para o tafetá de fundo. Nos dois casos, o padrão é efectuado, passagem a passagem, com o auxílio de uma vareta.

Aprendizagem dos padrões do pano d'obra bicho em tear pente-liço.

AGRADECIMENTOS

- Biblioteca de Maguy & Francisco Fragoso.
- Biblioteca de Arte Gulbenkian.
- Biblioteca do Instituto Nacional de Estatística.
- Biblioteca do Museu Nacional de Etnologia.

- Arquivo Histórico Ultramarino.
- Banco de Portugal.
- Biblioteca da Academia das Ciências de Lisboa.
- Biblioteca Nacional de Portugal.
- Biodiversity Heritage Library.
- Gallica.
- Internet Archive.
- Repositório da Universidade de Lisboa.

- Museu Nacional de Etnologia, pela permissão em visualizar alguns panos d'obra bicho do seu acervo.

- Àqueles que tenho vindo a contactar com as mais variadas questões sobre tecelagem, história, cultura e identidade e que, pacientemente, dão-me retorno. Muito obrigada!

-----
Publicado - Novembro 2023
Última actualização - Junho 2024