Dedicada à equipa AT&T (Ana-Teresa & Thomas)
De modo inesperado, o mar tornou-se encapelado e uma bátega de chuva principiou. Pelos vistos, o valente capitão Thomas e os seus marinheiros iam enfrentar a sua primeira grande tempestade desde que tinham atravessado o longo túnel negro e chegado aos mares escondidos por detrás da Lua.
Tudo começou
quando o capitão Thomas fugiu do templo da Sacerdotisa dos longos caracóis
negros. Pura e simplesmente, já não queria comer mais papa de cenoura ou o
creme de cenoura ou a cenoura cozida ou o bolo de cenoura ou qualquer outra
comida que tivesse cenoura!!!
Por isso, a fuga
com os seus inseparáveis companheiros, o Leão Terror, a Girafa Elegante, o Macaco
Falador e a Coruja Sábia, às costas do gigante cão de guarda da Sacerdotisa. A
ideia nem tinha sido dele mas do seu primeiro imediato, o Leão Terror, e este
era uma figura de respeito. Disse com a sua voz tonitruante:
- Capitão! Meu
capitão! É agora ou nunca! A Sacerdotisa está distraída! Ela foi fazer aquela mistela
de cenoura que tanto odeias. Vamos embora! É agora ou nunca!
Decidido, o corajoso
capitão Thomas pegou no seu chapéu pirata de três bicos preto, com a caveira
branca no meio, e colocou-o por cima dos seus caracóis rebeldes. Agarrou na
espada prateada, levantou-a ao alto, e gritou para os seus marinheiros:
- É tempo de
zarpar! Estou farto de cenoura e sei que não me fará os olhos mais bonitos!
Escaparam pela
portinhola usada pelo cão de guarda do templo que, diga-se de passagem, estava
a ficar cada vez mais pequena para o capitão Thomas passar. O colossal
protector do templo, e nas horas vagas amigo inabalável do capitão, ajudou-os
na evasão.
Às costas do São
Bernardo, sem pararem para descansar, atravessaram montes e vales até chegarem
ao porto onde estava ancorado o navio pirata. Fruto das sucessivas intempéries
enfrentadas, o navio já mostrava sinais de degradação com as cores vivas de
outrora desbotadas e o papelão a aparecer por baixo da cobertura de madeira
envernizada.
O cão de guarda,
avesso a travessias marítimas pois era grande demais para o navio pirata e
esgotado da viagem por terra com o capitão e companheiros às costas,
refastelou-se no chão de boca aberta e orelhas descaídas.
O destemido
capitão Thomas, de espada desembainhada, subiu para o navio pirata, seguido
pelo Leão Terror, de olhar penetrante, com a sua juba farta e longa. Iniciou as
manobras de imediato, dando as ordens, enquanto o capitão Thomas abria o mapa
para iniciarem o caminho mais rápido para os mares escondidos por detrás da
Lua:
- Içar bandeira,
abrir velas, largar amarras!
- Eu aconselho
cautela. Primeiro, precisamos assegurar que o navio cumpre os requisitos necessários
para uma navegação segura – disse a Coruja Sábia, que era tão velha, tão velha,
mas tão velha que tinha de usar um monóculo para ajudar o capitão Thomas a ler
e a interpretar os mapas de navegação. O outro olho tinha sido perdido em um
devaneio de juventude e usava agora uma pala negra.
Na verdade, dizia
ela, do tempo que fora propriedade da Sacerdotisa antes de passar para os
serviços do capitão, perdeu um olho quando decidiu entrar em uma luta com uma
galinha do mato. Nessa altura, segundo ela, era uma coruja imatura, cheia de
ousadia e pouca reflexão. A galinha do mato tinha muita manha e apanhou-a
desprevenida, arrancando-lhe um olho. A Sacerdotisa colocou-lhe uma pala no
olho e repreendeu-lhe por não ter sido sábia e estimado melhor as probabilidades
de sucesso. Mas serviu-lhe de lição. E a galinha do mato acabou em canja e
assado.
A Girafa Elegante,
ainda no cais, enfiava o pescoço nas escotilhas abertas, para ver o que havia
lá dentro e se o navio cumpria efectivamente os requisitos impostos pela Coruja
Sábia. As escotilhas tinham formatos diferentes, recortadas de forma um tanto
ou quanto artesanal porque o capitão Thomas estava em início de carreira e não
tinha acumulado riqueza suficiente para um navio digno de um corajoso pirata e
seus companheiros.
- Confirmado.
Aprovado. – ia dizendo à medida que tirava a cabeça de cada escotilha.
Ela era malhada,
falava vagarosamente e tinha as pestanas mais longas que se pudesse imaginar.
Por isso, o olhar era muito sedutor, junto com o seu andar requebrado que
parecia que cairia a cada passo. Subiu as escadas devagar, com receio que uma
das suas patas se enfiasse pelos buracos da escadaria de madeira.
Mas era essa mesma
elegância que fazia com que o seu andar de pernas altas e longas possibilitasse
que ela chegasse, sem dificuldades, às velas enfunadas e mudasse o rumo com
rapidez e ligeireza. Com graciosidade, corria ora a estibordo, ora a bombordo,
de acordo com a indicações do Leão Terror e dizia:
- Sr. Primeiro
Imediato, a mudança da vela foi do seu agrado?
- Senhorita! Não
tenho tempo para dialogar consigo! – ripostava, impaciente, o Leão Terror.
O Macaco Falador,
cada vez mais ansioso, corria de um lado para o outro ainda no cais,
gesticulando e falando sem parar para respirar:
- Fantástico!
Vamos, vamos, toca a levantar amarras e vamos embora. O que estamos à espera? Veneranda
Coruja, toca a despachar que eu solto as amarras e depois consigo dar o salto
para o navio.
Fala-barato. Era
assim que os companheiros caracterizavam o Macaco Falador. Mesmo a dormir, não
parava de falar. Falava dos tempos que, segundo ele, viveu em África. Que era
um rei, com vários milhões de súbditos, incluindo os da espécie do capitão
Thomas.
Às vezes, começava
a falar vagarosamente e um pouco desafinado. Chegado a esse momento, a
Sacerdotisa levava-lhe para a sala das grandes intervenções, abria-lhe as
costas, tirava de lá uns cilindros e colocava outros. Depois, cosia-lhe
novamente as costas, abanava-lhe um pouco e lá voltava ele à lengalenga do costume.
- Sr. Macaco, por
favor, suba e ajude o Sr. Leão que eu trato das amarras. Há-de convir que será
mais fácil para mim chegar ao navio que para o senhor. – respondeu a Coruja
Sábia que sobrevoava por cima dele.
- Claro, claro. Eu
esqueço-me que a senhora voa, enquanto eu salto de galho em galho. É isso? –
ripostou ironicamente à Coruja Sábia e subiu a correr as escadas, puxando-as
para o navio.
Mas com a mesma
verborreia que falava sobre os seus antepassados e feitos em África, trabalhava
no navio. Ora limpava, inclusive as latrinas!, ora servia de mensageiro entre o
capitão Thomas na grande sala de estratégia e o primeiro imediato que não
largava o leme. Outras vezes, ajudava a Girafa Elegante. Mas aí, quase sempre,
havia lugar para discussão porque o Macaco atropelava a Girafa que, honra lhe
seja feita, nunca caía apesar da sua altura mas dizia:
- Sr. Macaco,
assim fica difícil gerir a minha tarefa de forma correcta e empenhada.
- Senhorita
Girafa, assim chegamos mais depressa aos mares escondidos por detrás da Lua!
- Aos mares
escondidos por detrás da Lua?! Ai que ninguém me falou sobre isso. Por mim,
estamos em um cruzeiro temático de piratas e vamos até uma ilha paradisíaca. As
minhas malhas estão a desaparecer e preciso de sol.
- Senhorita! Então
e a vela negra com a caveira, lá em cima? As nossas vestes? O chapéu do capitão
Thomas? E a pala no olho de vidro da Senhora Coruja? Nós somos piratas e vamos
atrás de aventuras! Buscar monstros, tesouros escondidos, ...
- Ai!!! Mas pensei
que fosse tudo como se fosse uma festa. Mas assim vou partir as unhas durante
as batalhas. E não trouxe o estojo de maquilhagem completo, nem a caixa de
primeiros socorros. Não vou querer batalhar sem estar devidamente arranjada e
prevenida!
- Senhorita! O
assunto é sério demais! – virando-se para os outros companheiros, exclamou –
Quem teve a brilhante ideia de trazer uma senhorita para um assunto de heróis?!
- Fui eu! E eu sou
o capitão deste navio! Nunca ouviram falar que nas grandes aventuras há sempre
uma senhorita em apuros que temos de salvar?!
- Apuros? Eu? Eu
irei estar em apuros? Oh que devia ter vindo com mais bagagem. Sempre elegante,
em qualquer situação, é o meu lema!
- Capitão! Capitão!
Já estamos perto do túnel negro que nos levará aos mares escondidos por detrás
da Lua. – clamou a Coruja, interrompendo a discussão reinante.
O capitão correu até
à Coruja Sábia, puxou do binóculo e gritou exultante:
- Bravo Senhora
Coruja! Bravo! Só a senhora saberia interpretar o mapa!
A passagem pelo túnel
decorreu muito bem. Bem demais, pensou a Coruja Sábia mas preferiu manter o
pensamento só para ela. O único revés foi com o capitão Thomas. As suas calças
rasgaram-se pois ele, realmente, já estava a ficar grande demais para
atravessar portinholas, como também túneis feitos a partir de barricas, ainda
mais com um navio pirata às costas.
- Vejam! Já estamos
por detrás da Lua mas não está escuro. Acho até que está um belo dia. Temos a
luz do Sol por estes lados também. A água é que está demasiado turva e com uns
objectos flutuantes, não acham? – exclamou o Macaco Falante.
- Sim, muito escura.
Os objectos até que são muito semelhantes aos da Terra: parecem galhos de
árvores. Haverá monstros nas profundezas deste mar? – disse o Leão Terror, desejoso
de mostrar a sua valentia perante o seu capitão.
Aparentemente, o
mar estava calmo, se bem que bastante turvo. O que lhes causava alguma confusão
e perplexidade é que nas idas aos mares da Terra com a Sacerdotisa o mar é
azul, muitas vezes de um azul tão profundo que não se vislumbra o chão que se
pisa. Outras de um azul claro límpido, cristalino e quase transparente que se
consegue ver a areia. Também há o mar verde. Mas o escuro assim ainda não tinham
visto.
O capitão Thomas
tinha de investigar isso, por isso, criou um gabinete de crise que escolheu a
senhorita Girafa para mergulhar. A esperança é que com a sua altura ainda se
pudesse ver a cabeça dela fora da água. Mas também aumentavam as chances dela
entrar em apuros e eles salvarem-na, tornando tudo isso em mais uma incrível
aventura do valente capitão Thomas e dos seus bravos marinheiros. Assim, o
capitão Thomas cantou o grito de guerra:
- Eu sou o valente
capitão Thomas! Sou o famoso pirata dos mares escondidos por detrás da Lua! Sou
corajoso. Sou inteligente. Sou único. E tenho uns caracóis rebeldes como eu! Comigo
sempre o senhor Leão Terror, o meu companheiro de confiança, o meu jogador
avançado, o meu guerreiro, o meu primeiro imediato. A senhora Coruja Sábia, a
minha conselheira, a minha confidente, aquela que me ajuda a traçar os grandes
planos de descoberta de tesouros e de monstros. O senhor Macaco Falador, o meu
faz-tudo, pois é astuto, rápido nos planos de fuga. Não tem medo em ir por
caminhos escusos para alcançar algo. A senhorita Girafa Elegante, sempre perfeita
em tudo o que faz, por ser elegante, cuidadosa e muito sensível. O seu lado delicado
e tranquilo equilibra-nos nos momentos de luta acesa.
Após o grito de
guerra do capitão Thomas, não restou outra opção à Girafa Elegante senão
responder:
- Irei
sacrificar-me mas sob protesto. É pouco inteligente esta estratégia. Porque não
aguardar por alguma movimentação debaixo da água e nós estaremos preparados
para ripostar? Vejam como estamos de munições, por favor, senhores cavalheiros.
- A senhorita tem
medo? Os guerreiros destemidos como nós não esperam, atacam! Não contam munição,
entregam-se ao sacrifício com o que têm e o que não têm. – ripostou o falador
Macaco.
- Senhoras e
Senhores. Vamos a acalmar os ânimos. – ouviu-se a voz de líder do capitão
Thomas. - A menina Girafa vai explorar o terreno desconhecido e nós estaremos
todos atentos à sua movimentação. Ao mínimo sinal de apuro, iremos salvá-la.
Como sempre fizemos. – Ao terminar de falar, fez uma vénia à Girafa, tirando o
seu chapéu de três bicos da cabeça e levando-o ao peito.
E foi nesse instante
que o mar calmo e turvo começou a ficar encapelado. O intrépido capitão Thomas pressentiu
momentos de grandes aventuras e de espada em punho já se preparava para lutar
contra monstros marinhos.
- Tudo a postos para
enfrentarmos o desconhecido! Faremos história hoje!
Para além do mar
se ter tornado encrespado, uma enorme tempestade se abateu sobre os nossos
heróis. Começou a chover torrencialmente, deixando todos encharcados e sem reação
com esta drástica alteração de cenário. O silêncio foi quebrado pela voz da
Sacerdotisa e pelo latido contente do cão:
- Está um calor
enorme e vim dar-vos um banho para vos refrescar um pouco. Hoje fiz um belo
pudim de peixe com cenoura ralada. Onde já se viu um valente capitão sem uns olhos
lindos?
- Mãe, sabes muito
bem que a história não se passou bem assim. E estás a embaraçar-me em frente da
minha noiva.
De olhos rasos de água, de coração a bater forte, obrigada! Iluminas as nossas vidas de uma forma maravilhosa! Um grande grande abraço, mãe e "Capitão"
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